25 de out. de 2010

O nome das coisas

Várias vezes já fui questionado por que não se fala mais latim. Existem várias explicações boas sobre isso, mas o cerne da questão - e da resposta - reside muito mais na arbitrariedade da nomenclatura do que em história ou linguística.

Ninguém duvida de que os japoneses falam japonês, de que os árabes falam árabe, de que os gregos falam grego e de que os indianos falam hindu. E ainda de que os iranianos falam persa, embora o gentílico não ligue o povo à língua. Bom, todas essas línguas são tão ou mais antigas que o latim, nossa língua-avó, morta e enterrada - que descanse em paz! O que explica, então, a permanência dessas línguas e o desaparecimento do latim?

O latim era a língua do Império Romano e foi espalhado pelas províncias conquistadas. Com a queda de Roma, essas províncias passaram a países e as forças que unificavam a língua com o padrão da antiga capital do império deixaram de existir. É fácil perceber que, numa época de grande analfabetismo, de sociedades rurais e sem telecomunicações, cada país, cada povo, iria moldar o latim que falava de acordo com seu próprio contexto - cultura própria e a adquirida através do intercâmbio com outros povos. Assim, cada país fez o latim evoluir de uma maneira diferente. Quando o conceito de estado nacional se firmou, a língua tornou-se um fator de identidade nacional muito importante. Então, o nome da língua precisava, também, de acompanhar a nação e o nome "latim" passou a pertencer a um passado inglório de povo subjugado que não mais interessava. Dessa forma, no Reino de Portugal surgiu o português; em Castela, o castelhano, e assim por diante.

Isso é bem diferente do que aconteceu com as outras línguas anteriormente citadas. Cada uma dessas línguas era - e ainda é - língua nacional de um povo. Embora o persa falado hoje tenha pouca relação com a língua que Xerxes falava, ou grego de hoje seria ininteligível para Sócrates caso vivesse, essas línguas mantiveram seus nomes porque estão associadas a nações que mantiveram seus estados. Em todos os casos, adjetivos temporais dão a ideia do hiato existente: "grego clássico" versus "grego moderno"; "persa antigo" versus "persa moderno", etc. Mesmo no caso do árabe, que foi espalhado a um grande número de países, o processo de fragmentação e diversificação não ocorreu. O árabe, língua literária madura, acabou sendo adotado como língua nacional em cada estado convertido ao islã. E o fator religioso é um forte motivador da unidade linguística - desconsiderados os inúmeros dialetos existentes.

Então, sob certa perspectiva, é plausível considerar que ainda falamos latim. Um latim modificado, que atravessou vários séculos e revoluções de vários tipos. Mas lembremos que o latim que falamos é tão diferente do falado por Cícero quanto o grego moderno difere daquele que Platão proferia. E se tudo é grego, então tudo é latim! Aliás, ao estudar latim, ficamos impressionados com a quantidade de palavras que chegaram intactas ao nosso vocabulário, ou as que sofreram pouca mutação. Por outro lado, o latim que falamos é diferente do latim falado pelos hermanos, e do falado pelos fratellos.

Uma comparação que gosto de fazer é com o nome das cores: o azul, pouco comum na vida natural, é muito mais conservativo ao nome de suas variantes: azul claro e azul escuro são as básicas, além de azul celeste, azul marinho, etc. Já o vermelho pouco permanece com seu nome: um pouco mais claro fica "rosa"; um pouco mais escuro fica "vinho", "marrom". No fim, tudo é uma questão de darmos nomes às coisas.

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