24 de abr. de 2008

A Inter Coetera de Lula

O papa Alexandre VI nasceu em Valência. Embora naquela época ainda não existisse um país chamado Espanha, mas sim a união dos reinos de Castela e Leão e Aragão, o espírito nacionalista espanhol devia estar presente quando o papa deliberou, na famosa bula Inter Coetera, que todas as terras novas descobertas ou a descobrir a 100 léguas ao ocidente de Cabo Verde pertenceriam aos seus monarcas, "ilustres filhos caríssimos em Cristo".
A bula é um exemplo clássico da arbitrariedade com que pessoas determinam coisas. Doando terras "não cristãs" descobertas ou a descobrir para um determinado país, o papa ignorou a existência dos direitos de outros povos, ignorou fatos geográficos e a ambição dos outros países europeus envolvidos nas grandes navegações. Cedeu simplesmente aos interesses econômicos mercantilistas de Portugal e Espanha, que depois acertaram o limite exato da cerca nos tratados de Tordesilhas e de Saragossa. Mas arbitrários como a bula antecessora, foram solenemente ignorados pelos outros países, mormente França, Holanda e Inglaterra.
Pois uma bula moderna foi gerada no nosso congresso e agora sancionada pelo presidente da república. Trata-se da lei que unifica os fusos horários nos estados a oeste de Brasília, incluindo aí toda a imensa região norte. Resultado disso é que os acreanos passarão a ter, grosso modo, o meio-dia real a uma hora da tarde. Efeito oposto ao dos estados do extremo nordeste, como Paraíba e Pernambuco, que têm o meio-dia aparente às onze horas da manhã, por usarem o mesmo horário da capital federal.
O problema pode não parecer tão grave, já que horários são uma convenção humana. Mas é, devido à sua real motivação. Essa lei foi fecundada e gestada pelos executivos dos meios de comunicação teletransmitida, digam-se, das emissoras de rádio e televisão. Com o dever de adequar a grade de programação aos critérios de faixa horária e de faixa etária do público, as grandes redes de comunicação do país descobriram que é mais econômico mudar os fusos horários do que flexibilizar o que (e quando) as suas afiliadas replicam pelos cantões do Brasil. Assim, elas podem manter uma programação homogeneizada, monolítica, sem gastos adicionais. Economia para os grandes conglomerados, desconsideração às pessoas.
A divisão do mundo em fusos horários é uma convenção, mas traduz uma lógica: se uma localidade pertence a um determinado fuso, significa que seu horário real está mais próximo ao horário real do meridiano central daquele fuso do que de qualquer outro. No Brasil, essa regra vale cada vez menos. Crianças paraibanas e acreanas desconfiarão dos seus livros de geografia quando perceberem suas sombras estranhamente alongadas em pleno meio-dia.

10 de abr. de 2008

Primeira noite do JECrim no Olímpico

Primeira noite do JECrim no Olímpico
tem total de sete atendimentos

Com a eliminação do Grêmio na Copa do Brasil a partir dos penaltis perdidos no jogo contra o Atlético Goianiense, diversos incidentes chegaram ao Juizado Especial Criminal que começou a funcionar no Estádio Olímpico na noite desta quarta-feira (9/4).

Em um dos casos, a Brigada Militar tentou conter a torcida. Um Sargento da Polícia Militar e um torcedor acabaram sendo direcionados ao Juizado. O PM sustentou que foi agredido com um soco durante o tumulto por torcedor que aparentava estar alcoolizado. Mediante um pedido de desculpas, o policial expressou compreensão de que o torcedor estava alterado devido à derrota e ambos chegaram a um acordo, com arquivamento do expediente.

Após, uma torcedora que mora com a mãe, "mas não faz nada", nem estuda ou trabalha, foi encaminhada por desacato à autoridade policial. Ela rejeitou a proposta de transação penal oferecida pelo Ministério Público para pagamento de cesta básica no valor de meio salário mínimo, embora ciente da possibilidade de ser processada criminalmente pelo ocorrido. A ação será distribuída para um dos Juizados Especiais Criminais do Foro Central.

Um outro caso foi o de um jovem de 20 anos acusado de causar tumulto. Ele é recepcionista, mora com a mãe, terminou o segundo grau, mas não estuda mais. Aplicando a Lei dos Juizados Criminais Especiais, o Promotor de Justiça ofereceu a proposta de transação. Foi aceita a obrigação de pagamento de multa de R$ 200,00 em favor de uma entidade beneficente. O Juiz esclareceu ao jovem que se os valores não forem pagos por meio das guias que foram entregues, poderá responder processo criminal.

Final dos trabalhos

A 1h30min da manhã desta quinta-feira, os trabalhos do Juizado foram encerrados. Os demais casos que surgirem serão encaminhados ao Plantão 24 horas do Foro Central.

O Corregedor-Geral da Justiça, Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, acompanhou os trabalhos juntamente com os Juízes-Corregedores Vera Feijó e Sandro Luz Portal.

Apoiaram o funcionamento do JECrim Mário Krzisch e Denise Nenê de Souza, Coordenadores de Correição da Corregedoria-Geral da Justiça; Eduardo Bruno Vaz Van Nyvell, Oficial Ajudante designado e a estagiária Lílian Tarakdian Dambros, do Foro Regional do Sarandi; Ricardo Luís Lichtler e Leonardo dos Santos Conca, da equipe do suporte do Departamento de Informática.

Leia notícias anteriores sobre o funcionamento do JECrim:

Realizadas primeiras audiências
no Juizado Especial Criminal no Olímpico

Rojão lançado em direção ao campo foi quarto caso atendido

(Adriana Arend e João Batista Santafé Aguiar)

28 de mar. de 2008

Ode a Porto Alegre (Deus lhe pague)

Por essas fachadas pichadas
que fico a assistir
Pelo assalto no parque
que devo previnir
Pelos cocôs nas calçadas
que vivem a surgir
- Deus te pegue

Por aqueles no palanque
que só fazem engrupir
Pelos outros no paço
Soídos a mentir
Pelas coisas não feitas
esperando o porvir
- Deus te leve

Pelos buracos na rua
que nos fazem cair
Pelos teatros sem graça
que vivem a repetir
Pelos bueiros imundos
que já vão entupir
- Deus te guarde

Pelo flanelinha sem dente
que nos vai extorquir
Pela vontade latente
de abandonar e fugir
Pelo desânimo pungente
de lutar e sorrir
- Deus nos poupe

31 de jan. de 2008

Obsoleto

O mundo mudou. Na verdade, está sempre mudando. "Tudo apenas se transforma" - disse Lavoisier. Mais que isso, tudo sempre se transforma. Mas ele estava enganado quanto a um ponto: nas transformações, coisas podem ser criadas, coisas podem ser perdidas. Claro que não em relação à matéria e à energia, que talvez seja o binômio que mais interesse à investigação científica. Mas naquelas outras coisas, talvez mais próximas da alma humana, as transformações podem ser tão profundas que o resultado não seja reconhecido; que o produto não mantenha relação com a matéria prima. Se mudam os rótulos, então há perda e criação, destruição e construção, crepúsculo e alvorada.
O mundo mudou. A órbita da Terra diminui; a Lua se afasta. A América segue para o oeste. O nível do mar sobe, mas o mar de Aral encolheu. As estações não são mais bem definidas e Porto Alegre nunca mais teve enchente - leite vigiado não derrama! As cidades cresceram, distritos se emanciparam. A Alemanha unificou-se, e o Iêmen também. A União Soviética não existe mais. A Birmânia e o Zaire mudaram seus nomes - mas será que mudou muita coisa? O Ínter também é campeão mundial. As pessoas que mal podiam comprar computador nas lojas, agora compram das lojas pelo computador.
O mundo mudou. Brizola morreu e, pasmem, Roberto Marinho também. Paulo Autran, Luciano Pavarotti, Saddam Hussein... Outras pessoas também morreram, mas muitas outras nasceram. Aliás, o nascimento e a morte de humanos devem ser os fenômenos mais registrados do mundo. Talvez só os de ratos nos ganhassem, se eles fizessem esse tipo de registro.
Nem tudo mudou. Ainda há lugares belos no planeta. Ainda há pessoas passando fome. Ainda há guerras. Ainda há pessoas mentirosas e corruptas que lutam para tirar o poder de outras pessoas mentirosas e corruptas. E Niemeyer continua vivo e fazendo projetos. Paixões brotam, amores morrem, e ódios se alimentam, como sempre.
O meu mundo mudou. Certezas que eu tinha viraram dúvidas. Outras, esqueci. Relações mudaram, porque as pessoas mudam. Elas mudam seus objetivos, seus valores, suas companhias. Nem sempre para melhor. Pessoas entram e saem das vidas umas das outras, mas às vezes não estive preparado para essas transições. Então, deslumbrado com a entrada triunfal e a morada majestosa, fui surpreendido com a saída repentina e o vazio frio que se espalhara pelos salões. A festa tinha acabado, a cerveja esquentou e as pessoas foram embora.
O mundo sempre muda e nada do que passou voltará a ser. Não como antes. Mas eu não me preparei para isso e fico agora contemplando diariamente os estilhaços que me sobraram. Sinto-me obsoleto, esquecido num canto, chorando as lembranças de um tempo ultrapassado.