31 de jan. de 2008

Obsoleto

O mundo mudou. Na verdade, está sempre mudando. "Tudo apenas se transforma" - disse Lavoisier. Mais que isso, tudo sempre se transforma. Mas ele estava enganado quanto a um ponto: nas transformações, coisas podem ser criadas, coisas podem ser perdidas. Claro que não em relação à matéria e à energia, que talvez seja o binômio que mais interesse à investigação científica. Mas naquelas outras coisas, talvez mais próximas da alma humana, as transformações podem ser tão profundas que o resultado não seja reconhecido; que o produto não mantenha relação com a matéria prima. Se mudam os rótulos, então há perda e criação, destruição e construção, crepúsculo e alvorada.
O mundo mudou. A órbita da Terra diminui; a Lua se afasta. A América segue para o oeste. O nível do mar sobe, mas o mar de Aral encolheu. As estações não são mais bem definidas e Porto Alegre nunca mais teve enchente - leite vigiado não derrama! As cidades cresceram, distritos se emanciparam. A Alemanha unificou-se, e o Iêmen também. A União Soviética não existe mais. A Birmânia e o Zaire mudaram seus nomes - mas será que mudou muita coisa? O Ínter também é campeão mundial. As pessoas que mal podiam comprar computador nas lojas, agora compram das lojas pelo computador.
O mundo mudou. Brizola morreu e, pasmem, Roberto Marinho também. Paulo Autran, Luciano Pavarotti, Saddam Hussein... Outras pessoas também morreram, mas muitas outras nasceram. Aliás, o nascimento e a morte de humanos devem ser os fenômenos mais registrados do mundo. Talvez só os de ratos nos ganhassem, se eles fizessem esse tipo de registro.
Nem tudo mudou. Ainda há lugares belos no planeta. Ainda há pessoas passando fome. Ainda há guerras. Ainda há pessoas mentirosas e corruptas que lutam para tirar o poder de outras pessoas mentirosas e corruptas. E Niemeyer continua vivo e fazendo projetos. Paixões brotam, amores morrem, e ódios se alimentam, como sempre.
O meu mundo mudou. Certezas que eu tinha viraram dúvidas. Outras, esqueci. Relações mudaram, porque as pessoas mudam. Elas mudam seus objetivos, seus valores, suas companhias. Nem sempre para melhor. Pessoas entram e saem das vidas umas das outras, mas às vezes não estive preparado para essas transições. Então, deslumbrado com a entrada triunfal e a morada majestosa, fui surpreendido com a saída repentina e o vazio frio que se espalhara pelos salões. A festa tinha acabado, a cerveja esquentou e as pessoas foram embora.
O mundo sempre muda e nada do que passou voltará a ser. Não como antes. Mas eu não me preparei para isso e fico agora contemplando diariamente os estilhaços que me sobraram. Sinto-me obsoleto, esquecido num canto, chorando as lembranças de um tempo ultrapassado.

2 comentários:

Unknown disse...

mas já que na prática ninguém vive do presente, por que não viver das boas lembranças do passado?

Melissa Pozatti disse...

Demais.
Porque nunca tinha me mostrado esse Ricardo?