Pois a Dona Dilma venceu a eleição. Desejo, do fundo do meu coração, boa sorte para nossa futura presidente. Sim, presidente, que toma leite quente que dói nos dentes da gente. Ela, mulher, mãe, avó, será a primeira presidente - assim mesmo, com "e" no final - do Brasil. Porque a palavra "presidenta" pode até aparecer num ou noutro dicionário, mas é um aborto, coisa que a Dilma e o Serra prometeram combater. No caso, um aborto linguístico, uma excrescência.
Mas por que toda essa minha fúria contra uma palavrinha tão inofensiva? Porque ela fere, de forma ampla e irrestrita, a lógica, a tradição e a beleza da língua. Explico: o sufixo "-nte" que existe em português, como em presidente, pedinte, palestrante, gerente, vem de uma desinência verbal do latim. Ou seja, essas palavras são originadas, a princípio, de um verbo - em latim, essas formas verbais eram chamadas de particípio presente. Essa forma verbal tem um significado explicitamente ativo, ou seja, aquele que pratica a ação; por exemplo, presidente é "(aquele) que preside".
Acontece que, tanto em latim quanto em português, palavras com essa função e com essa forma são palavras que designam e abarcam completamente os dois sexos - masculino e feminino (em latim, na verdade, serve também para o neutro). Porque são, antes de tudo, formas verbais incorporadas em substantivos. Não por acaso, um susbtantivo desse tipo é chamado "comum de dois (gêneros)". Então, essa moda de efeminar o sufixo, metendo um "a" no final para designar pessoas do sexo feminino que executam a ação, é desnecessária, equivocada, sexista e incoerente. Pois se moda pega, a gerente de um banco será a "gerenta", e uma palestrante será uma "palestranta". Uma mulher grávida seria, então, uma "gestanta". Ridículo, não?
A mesma coisa poderia se pensar com o sufixo "-sta". A jornalista versus o "jornalisto", a dentista versus o "dentisto". É a esse esgoto que esses fanfarrões querem levar nossa língua? No juridiquês, forma pernóstica - e por vezes perniciosa - da língua, os doutos doutores, muitos sem doutoramento, inventaram que palavras com final em "-l" são masculinas, e derivaram daí as oficialas e as bacharelas. Ainda bem que o pincel não é título judiciário; passou incólume!
31 de out. de 2010
25 de out. de 2010
O nome das coisas
Várias vezes já fui questionado por que não se fala mais latim. Existem várias explicações boas sobre isso, mas o cerne da questão - e da resposta - reside muito mais na arbitrariedade da nomenclatura do que em história ou linguística.
Ninguém duvida de que os japoneses falam japonês, de que os árabes falam árabe, de que os gregos falam grego e de que os indianos falam hindu. E ainda de que os iranianos falam persa, embora o gentílico não ligue o povo à língua. Bom, todas essas línguas são tão ou mais antigas que o latim, nossa língua-avó, morta e enterrada - que descanse em paz! O que explica, então, a permanência dessas línguas e o desaparecimento do latim?
O latim era a língua do Império Romano e foi espalhado pelas províncias conquistadas. Com a queda de Roma, essas províncias passaram a países e as forças que unificavam a língua com o padrão da antiga capital do império deixaram de existir. É fácil perceber que, numa época de grande analfabetismo, de sociedades rurais e sem telecomunicações, cada país, cada povo, iria moldar o latim que falava de acordo com seu próprio contexto - cultura própria e a adquirida através do intercâmbio com outros povos. Assim, cada país fez o latim evoluir de uma maneira diferente. Quando o conceito de estado nacional se firmou, a língua tornou-se um fator de identidade nacional muito importante. Então, o nome da língua precisava, também, de acompanhar a nação e o nome "latim" passou a pertencer a um passado inglório de povo subjugado que não mais interessava. Dessa forma, no Reino de Portugal surgiu o português; em Castela, o castelhano, e assim por diante.
Isso é bem diferente do que aconteceu com as outras línguas anteriormente citadas. Cada uma dessas línguas era - e ainda é - língua nacional de um povo. Embora o persa falado hoje tenha pouca relação com a língua que Xerxes falava, ou grego de hoje seria ininteligível para Sócrates caso vivesse, essas línguas mantiveram seus nomes porque estão associadas a nações que mantiveram seus estados. Em todos os casos, adjetivos temporais dão a ideia do hiato existente: "grego clássico" versus "grego moderno"; "persa antigo" versus "persa moderno", etc. Mesmo no caso do árabe, que foi espalhado a um grande número de países, o processo de fragmentação e diversificação não ocorreu. O árabe, língua literária madura, acabou sendo adotado como língua nacional em cada estado convertido ao islã. E o fator religioso é um forte motivador da unidade linguística - desconsiderados os inúmeros dialetos existentes.
Então, sob certa perspectiva, é plausível considerar que ainda falamos latim. Um latim modificado, que atravessou vários séculos e revoluções de vários tipos. Mas lembremos que o latim que falamos é tão diferente do falado por Cícero quanto o grego moderno difere daquele que Platão proferia. E se tudo é grego, então tudo é latim! Aliás, ao estudar latim, ficamos impressionados com a quantidade de palavras que chegaram intactas ao nosso vocabulário, ou as que sofreram pouca mutação. Por outro lado, o latim que falamos é diferente do latim falado pelos hermanos, e do falado pelos fratellos.
Uma comparação que gosto de fazer é com o nome das cores: o azul, pouco comum na vida natural, é muito mais conservativo ao nome de suas variantes: azul claro e azul escuro são as básicas, além de azul celeste, azul marinho, etc. Já o vermelho pouco permanece com seu nome: um pouco mais claro fica "rosa"; um pouco mais escuro fica "vinho", "marrom". No fim, tudo é uma questão de darmos nomes às coisas.
Ninguém duvida de que os japoneses falam japonês, de que os árabes falam árabe, de que os gregos falam grego e de que os indianos falam hindu. E ainda de que os iranianos falam persa, embora o gentílico não ligue o povo à língua. Bom, todas essas línguas são tão ou mais antigas que o latim, nossa língua-avó, morta e enterrada - que descanse em paz! O que explica, então, a permanência dessas línguas e o desaparecimento do latim?
O latim era a língua do Império Romano e foi espalhado pelas províncias conquistadas. Com a queda de Roma, essas províncias passaram a países e as forças que unificavam a língua com o padrão da antiga capital do império deixaram de existir. É fácil perceber que, numa época de grande analfabetismo, de sociedades rurais e sem telecomunicações, cada país, cada povo, iria moldar o latim que falava de acordo com seu próprio contexto - cultura própria e a adquirida através do intercâmbio com outros povos. Assim, cada país fez o latim evoluir de uma maneira diferente. Quando o conceito de estado nacional se firmou, a língua tornou-se um fator de identidade nacional muito importante. Então, o nome da língua precisava, também, de acompanhar a nação e o nome "latim" passou a pertencer a um passado inglório de povo subjugado que não mais interessava. Dessa forma, no Reino de Portugal surgiu o português; em Castela, o castelhano, e assim por diante.
Isso é bem diferente do que aconteceu com as outras línguas anteriormente citadas. Cada uma dessas línguas era - e ainda é - língua nacional de um povo. Embora o persa falado hoje tenha pouca relação com a língua que Xerxes falava, ou grego de hoje seria ininteligível para Sócrates caso vivesse, essas línguas mantiveram seus nomes porque estão associadas a nações que mantiveram seus estados. Em todos os casos, adjetivos temporais dão a ideia do hiato existente: "grego clássico" versus "grego moderno"; "persa antigo" versus "persa moderno", etc. Mesmo no caso do árabe, que foi espalhado a um grande número de países, o processo de fragmentação e diversificação não ocorreu. O árabe, língua literária madura, acabou sendo adotado como língua nacional em cada estado convertido ao islã. E o fator religioso é um forte motivador da unidade linguística - desconsiderados os inúmeros dialetos existentes.
Então, sob certa perspectiva, é plausível considerar que ainda falamos latim. Um latim modificado, que atravessou vários séculos e revoluções de vários tipos. Mas lembremos que o latim que falamos é tão diferente do falado por Cícero quanto o grego moderno difere daquele que Platão proferia. E se tudo é grego, então tudo é latim! Aliás, ao estudar latim, ficamos impressionados com a quantidade de palavras que chegaram intactas ao nosso vocabulário, ou as que sofreram pouca mutação. Por outro lado, o latim que falamos é diferente do latim falado pelos hermanos, e do falado pelos fratellos.
Uma comparação que gosto de fazer é com o nome das cores: o azul, pouco comum na vida natural, é muito mais conservativo ao nome de suas variantes: azul claro e azul escuro são as básicas, além de azul celeste, azul marinho, etc. Já o vermelho pouco permanece com seu nome: um pouco mais claro fica "rosa"; um pouco mais escuro fica "vinho", "marrom". No fim, tudo é uma questão de darmos nomes às coisas.
13 de out. de 2010
Porto Alegre é demais!
A capital de todos os gaúchos é, sem dúvida, a cidade mais urbana do estado. Digo urbana em termos de afluxo de civilização, aglomerado de coisas, turbilhão de acontecimentos e todo o resto. Claro que contribui para isso ser também, disparadamente, a maior cidade nestes pagos. Infelizmente, a cidade não está a salvo de barbárie dos habitantes e provincianismo dos administradores, fazendo com que topemos com tristes marcos em todos os cantos dela.
A barbárie é, por exemplo, todo o grande volume de lixo que diariamente seus habitantes jogam nas vias públicas; assim é com as fezes de cachorros que são abandonadas pelas calçadas da cidade. E o vandalismo impune que picha e destrói casas e monumentos. Não sobra nada inteiro em Porto Alegre. Aqui, nada dura bonito por muito tempo. Li uma notícia sobre a exposição Cow Parade: esculturas bovinas foram pichadas, roubadas, queimadas. Tinha de ser em Porto Alegre!
O provincianismo é, por exemplo, a administração municipal construir um grande prédio, em pleno centro da capital, para abrigar os comerciantes ambulantes que infestavam as ruas e impediam os transeuntes de transitarem. Prédio grande, em pleno centro... talvez em outras cidades fosse construído algo bonito, algo que valorizasse a região, que chamasse a atenção pela beleza ou inovação, mas não em Porto Alegre. Não! Nunca! Em Porto Alegre essa construção deve ser tosca, deve parecer uma grande caixa reta e cinza de concreto. Bingo! Eis que temos o Camelódromo. Assim é também a duplicação de uma avenida adjacente a um parque; ela não pode simplesmente tomar área do parque, mas deve rasgar o parque ao meio, quebrar sua continuidade. E lá se foi o Parque Marinha do Brasil. Talvez à parte agora separada dêem o nome de algum notável, como se fosse um novo parque... Porto Alegre me dói!
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