João e Antônio moravam juntos havia alguns anos. Dividiam um pequeno apartamento, em um bairro aprazível da cidade. Fazia uns seis meses conseguiram livrar-se da incômoda vizinha do apartamento da frente, uma senhora tão intrometida quanto gritalhona. Desde então, aquele apartamento estava para ser alugado, fato indicado por dois adesivos postos nas suas janelas frontais.
Em um dia desses, mais precisamente numa quarta-feira pela manhã, João volta de suas compras e encontra Antônio recém acordado. Após a saudação matutina, lhe diz:
-Viu que alugaram o apartamento da frente?
Antônio prontamente lhe respondeu:
-Sim, mas já faz um tempão.
João sentiu-se contrariado. Fazia um "tempão" que o apartamento "estava para ser alugado", mas não que "estava alugado"; no sábado anterior ainda tinha visto os dois anúncios de aluguel. Mas resolveu não criar caso por tão pouco, e não disse nada, apenas continuou a desembrulhar suas compras.
Antônio, talvez perturbado com o silêncio inesperado, emendou:
-Já tá a semana toda assim.
-Bom, essa semana... pode ser.
João agora estava convicto da contradição. O outro percebeu que estava errado, e resolveu consertar o dito. Mas ele ainda encontrava falhas, mesmo na desculpa. Afinal, de que semana Antônio estava falando? Fosse da semana contada desde a quarta-feira anterior, estava errado pois no sábado ainda havia o anúncio. Caso fosse da semana cristã, com início no domingo, a chance de Antônio estar blefando era enorme, pois estava mesmo chovendo fortemente desde então, e seria pouco provável que ele inclinaria seu guarda-chuva para avistar se aquele imóvel continuava disponível.
João concluiu que devia ser mais uma implicância fortuita de Antônio. Para João, Antônio tinha essa característica incômoda. Opinava sobre assuntos que desconhecia, e lançava afirmações contundentes sobre fatos ou nomes notoriamente equivocados. Mas João definitivamente não queria entrar em discussão, e deixou por isso mesmo.
Quando estava saindo para trabalhar, encontrou Albertina, a zeladora do prédio, uma mulata vistosa de ancas fartas. Interpelou-a:
-Oi, sabes dizer se alugaram o apartamento da frente?
-Ah sim, foi ontem.
-Obrigado.
João virou-se e desceu as escadarias do prédio. E abriu um largo sorriso.