26 de dez. de 2006

Cidade Baixaria

Conheci a Cidade Baixa há cerca de dez anos, logo quando vim morar em Porto Alegre. Na época, residia no centro e a Loureiro da Silva era uma linha mágica que separava o Centro velho, cinza e decaído desse bairro boêmio, com seus arvoredos generosos e suas gentes alegres. Em realidade, dois locais dividiam minha preferência na hora de beber uma boa cerveja gelada e pensar na vida: o bar flutuante do Guaíba, melhor escolha nos dias em que havia pôr-do-sol ou que a temperatura favorecia, e os bares infinitos da Cidade Baixa.
Três anos e pouco depois, acabei me mudando, de mala mas sem cuia, para a Cidade Baixa. Lá pude aprofundar ainda mais minha cidadania porto-alegrense, nas discussões políticas, culturais e mesmo inúteis regadas a, claro, boas doses de cerveja. Lá descobri que o bairro tinha uma localização perfeita; via de acesso a quase todos os cantos da cidade, fica ao lado do centro, diametralmente oposto à Osvaldo Aranha - isso sendo um ponto a favor - e banhado pela Redenção. Além disso, contava com toda uma sorte de serviços, de forma que muito poucas vezes fazia-se necessário meu deslocamento aos outros pontos do arraial.
Pois, em determinada época, percebi que o bairro havia sido invadido por uma horda de flanelinhas, sendo a maioria deles disposta a destruir a civilização e a cultura. O problema, para mim, não era nem tanto os flanelinhas, pois na época eu não tinha carro, mas os tipos suspeitos e mal-encarados que assomavam junto. E houve também uma invasão de criancinhas vendendo todo o tipo de coisas, incluindo aí coisas que não deveriam ser vendidas. "Onde, diabos, está o Conselho Tutelar?", eu pensava.
Foi mais ou menos nessa época em que fui assaltado. Uma meia dúzia de indivíduos bonezudos aproximou-se de mim e de meu amigo quando tomávamos o sorvete ordinário do bairro. Blefando que estavam armados, levaram dez reais meus. A sorte foi o pequeno valor do furto, embora o estrago pudesse ter sido bem maior. O azar foi a sensação de impotência frente à falta completa de policiamento. Apesar da nítida sensação de que não estavam armados, nós dois apanharíamos com louvor daquela pequena corja caso esboçássemos reação. Na seqüência ao episódio, passei por momentos de liberdade vigiada, quando eu saía à noite mas desconfiava de qualquer vulto que se aproximava.
Agora faz pouco mais de um ano que minha rua - a José do Patrocínio - transformou-se na nova Osvaldo. Atraídos por cerveja a preços populares, os tipos mais estranhos - normalmente vestindo preto ou calçando AllStar - tomaram de assalto minha vizinhança. Isso em si não representaria muita coisa, não fosse o fato de que boa parte deles gosta de consumir uma certa erva ilegal. Outra parte gosta de aspirar fileirinhas do pozinho branco - isso tudo a céu aberto, em plena rua, principalmente na esquina com a Sarmento Leite. Então, obviamente, a concentração de traficantes e o sortimento de meliantes aumentou como nunca visto dantes!
Os pedintes chegam e dizem que estão fazendo um favor em não assaltar. E praguejam e ameaçam caso não levem os trocadinhos solicitados. Os bonezudos andam livremente pelas ruas, contam que recém saíram da cadeia e que vão "dar um estouro" caso não se lhe passe o dinheiro e o celular. E os flanelinhas, incólumes e impolutos, zelam pelo patrimônio alheio já que o governo não o faz.
Ah, e a polícia? Bom, para não ser injusto, vejo eventualmente policiais fazendo blitz na esquina mais tranqüila e iluminada (da Lima com a República), no horário mais movimentado e seguro (até a meia-noite). Na esquina do pó e nas demais ruas escuras e, agora, obscuras do bairro, assim como nos horários em que mais se faz supor necessário o policiamento, passam de relance, às vezes até acenando para seus insuspeitos freqüentadores. Como que dissessem: "Aproveitem a noite!"



2 comentários:

Unknown disse...

Bem legal.

Melissa Pozatti disse...

O texto tá ótimo, só achei muito injusto generalizar e maldizer os usuários de allstar.
eu não cheiro pó e não peço trocados por aí.